A velocidade do mundo produtivo tem invadido todos os espaços da vida humana, impondo um tempo reduzido para que as pessoas possam se dedicar a si mesmas, à sua saúde física e mental. Atento a isso, o escritório de arquitetura Andrade Schimmelpfeng, que participa pela segunda vez da Casacor Bahia, traz na edição 2023 da mostra uma provocação ao mesmo tempo estética e reflexiva: uma sala de banho cuja ideia é “a evocação dos significados milenares do banho como o tempo do cuidado afetuoso consigo próprio”.
A preocupação com a hora do banho, como um tempo para si, para relaxar, se acalmar, vem ressurgindo em projetos arquitetônicos nos últimos anos, a exemplo de banheiros de suítes de casal com duas cubas individuais ou na presença de uma jacuzzi para relaxamento, eventualmente um jardim de interior associado ou até mesmo dois banheiros exclusivos. O que o arquiteto Walter Schimmelpfeng propõe com o seu projeto é um salto qualitativo. “Num mundo marcado por incertezas e frustrações, o momento do banho pode ser o tempo sagrado do indivíduo purificar o corpo e o espírito. Nosso espaço traz para dentro de casa o banho de cacheira e de rio, a natureza. Com isso, procuramos remeter a memória ao tempo de restaurar o equilíbrio, de fugir da ducha automática”, afirma.
Toda a equipe do arquiteto se debruçou sobre o tema “rituais de banho” ao longo da história humana e optou pela divisão do espaço em três ambientes. O arquiteto descreve assim esses espaços: “Na entrada, temos uma porta que pertenceu ao Convento do Carmo, retirada no seu processo de desmonte para reforma. Há um living aconchegante que se propõe a garantir um tempo para se fazer uma leitura, uma oração, se preparar para um escalda pés, um ritual do chá ou a escolha das essências para o futuro banho de imersão. Elementos como sofá, tapete, mesa, luminária criam a atmosfera de acolhimento necessária à mudança do ritmo acelerado da vida moderna para um tempo do autocuidado”.
No projeto, uma estrutura metálica traz a delimitação entre ambientes, sugerindo privacidade, com inspiração na designer industrial italiana Matali Crasset, uma das grandes referências mundiais na área. Essa citação, ao mesmo tempo que afirma o perfil preponderante do escritório Andrade Schimmelpfeng de atuar na área industrial, nos remete de forma artística à memória afetiva das antigas cortinas, só que com o uso de tecido em linho, dando um toque cênico ao ambiente.
Schimmelpfeng descreve o segundo ambiente, como o local que simula um “banho de cachoeira”, trazido por um conjunto de chuveiros sobre uma bacia especialmente desenhada pelo seu escritório e rodeadas por pedras de rio. “No terceiro, a proposta é de ser o momento da cura, ‘do banhar-se em leito de rio ou lagoa’, associação reforçada pelo uso de pedra natural verde, dos seixos de rio e da luz natural, cenário ao qual se soma à presença de um pé de jasmim, que nos remete aos banhos relaxantes de ervas; a um autêntico mergulho na natureza”, avalia.
Como observa Schimmelpfeng, a escolha de uma arquitetura formalista leva o ambiente ao afeto e à memória dos antigos salões de banho. Para reforçar essa reminiscência, foram usados materiais como as pedras naturais, arcos, superfícies claras, simplicidade e delicadeza nos detalhes e paisagismo formal. Forro com vigas em madeira que trazem a iluminação indireta e atenuação da acústica no ambiente.
O projeto de Walter Schimmelpfeng investe pesado na iluminação natural. Duas grandes janelas permitem a iluminação da sala de banho, sem o uso de cortinas, graças a uma tecnologia nova: o vidro polarizado Privacy Glass, que propicia o equilíbrio entre a privacidade e a entrada de luz nos ambientes. “Isso porque utiliza uma tecnologia revolucionária que transforma, em instantes, o vidro de cor branca translúcida em incolor, por meio de acionamento via interruptor, controle remoto ou até mesmo automação a depender da necessidade”, informa o arquiteto. O projeto de Schimmelpfeng nos propõe uma reflexão sobre um espaço que pode ser nobre (em uma casa, hotel ou condomínio) e um tempo importante da vida humana que tiveram muito do seu charme dissipado, mas que nem tudo precisa estar necessariamente perdido para sempre.
O banho na história
É no antigo Egito que se encontram, por volta de 3.000 a.C, os primeiros registros do ato individual de se banhar. Os egípcios se banhavam diariamente e realizavam rituais sagrados na água, que eles presumiam purificar a alma, crença compartilhada tanto para a realeza quanto pelos mais pobres. Os gregos tomavam banhos motivados pela higiene, espiritualidade e esportes, com o uso de óleos na água para untar o corpo.
Entre os romanos, herdeiros da cultura grega, o hábito do banho adquiriu proporções inéditas. Eles se reuniam em “banhos públicos”, que eram ambientes de discussões e decisões políticas e sociais. Mais restritas às classes abastadas, as termas eram um ponto de encontro e de troca de informações. Para os árabes, é um preceito da fé islâmica lavar e perfumar o corpo para a oração. E os banhos em conjunto, longos, são vistos como a melhor maneira de se purificar para a prece. O hamman serve como meditação entre os pecados do corpo e a limpeza do espírito.
Com o passar do tempo, o banho passou a ser algo raro, com a higiene se restringindo a limpeza de partes do corpo. Só no século XIX, com o surgimento do conceito de higiene, a partir das descobertas do cientista francês Louis Pasteur, hospitais e outros locais de contato com doenças passaram a ser limpos regularmente. Nas grandes cidades do mundo ocidental, por volta de 1930, reaparecem os banhos rotineiros, mas apenas aos sábados.
Após o fim da Segunda Guerra, em 1945, quando boa parte das casas europeias teve que ser reconstruída, elas ganharam banheiros, abastecidos com a cada vez mais comum água encanada. A França foi a pioneira nas inovações sanitárias, seguida pela Inglaterra e pela Alemanha. Atualmente, o banho é associado ao cuidado com a pele e ao bem-estar em todo o mundo. Porém, algo que deve ser feito de forma rápida, para não comprometer as outras atividades humanas.